25/02/2010

Quando o casual vem a calhar

Tem horas que a gente não precisa de promessas, muito menos certezas. O corpo só quer estar ali. Descompromissadamente. Sem se dar ao trabalho de carregar alma e afins. "Se envolva em mim, mas não comigo", é o que ele parece gritar. Como quem anuncia que, embora o ato mereça reprises sem fim, a estreia é tudo que se tem.

22/02/2010

Menu do Dia: Miojo com catchup vencido

Não importa se você é a Gisele Bunchen ou a Susan Boyle. Um dia, de repente, não mais que de repente, você vai acordar na sua pior versão. E olha que eu nem tô falando de cara amassada ou espinha na ponta do nariz. Nesse caso, o buraco é mais embaixo. Vai ver não é caso de TPM, mas bem que lembra. Ser simpática vai te exigir uma energia que você simplesmente não tem. E com toda a sua autocrítica, você vai constatar que, já não é boa companhia.

Tudo vai parecer muito mais ou menos. E tudo bem se for assim. Porque tem horas que levar tudo a sério cansa. Que certas expectativas parecem pesadas demais pra se carregar. Que o oco até que faz um eco interessante. E parece melhor opção que o conteúdo admirável. E dá vontade de pendurar uma plaquinha do tipo "É o que tem pra hoje. Vai encarar?". E você, que outrora foi refeição para muitos talheres, virou no máximo um miojo com catchup vencido.

Nessa hora, justamente nessa hora, você vai ter acesso ao tipo mais sublime de amor. Aquele tal de incondicional. Porque amor despertado por frases de efeito, sorriso no rosto e conclusões brilhantes, dá até sono de tão previsível. Quero ver é amar quando não se tem nada a acrescentar. Quando o máximo que você tem a oferecer é um resmungo ou um clichê. Aí sim é hora de provar o talento pra amar ao próximo. Quando ele se mostra tão desinteressante, que você o queria bem longe.

Tem, mas acabou

Tampa da panela, metade da laranja, chinelo velho pra pé doente. Nunca vi tanta expressão feia, pra uma coisa que todo mundo diz embelezar a vida. E embora nenhuma das descrições pareça muito animadora, o produto em questão é mais disputado que show do Roberto Carlos. (E você chega a pensar que vai acabar como aquelas velhinhas da plateia, ávidas por uma rosa babada e nada mais).

Então você sai por aí tentando encaixar formatos diferentes à força, espremendo o que não tem conteúdo pra ver se sai alguma coisa e ganhando berebas gratuitas com sapatos que nem do seu número são. A desculpa? "Vai que serve?" E nesse test drive de sensações, quase sempre alguém sai avariado. Seja o pé ou o sapato. Mas o que você faz enquanto a sua tampa não chega? Deixa a água evaporar?

01/02/2010

Gigante adormecido

Tinha pelo menos umas duas décadas desde que ele tinha dormido assim, segurando a minha mão. Lá por mil novecentos e os meus dedos em mutirão só alcançavam um terço da mão dele. Seus cabelos ainda nem tinham esse ar de névoa.

Do rosto daquele tempo, restaram os olhos castanhos esverdeados, que ficam ainda mais esverdeados quando ele se emociona. Por acaso, os meus também são assim. Tudo bem, não por acaso. Os olhos são uma das muitas características dele que reconheço em mim. Vieram junto com o nariz bem delineado, os cílios longos, as sobrancelhas imponentes, as pernas longas e como a lei da compensação é um fato, as olheiras.

Entre as coisas que herdei, mas não se pode perceber à primeira vista, estão a teimosia, a paixão pela música e a distração. A mesma que o impede de notar que, embora hoje eu consiga perfeitamente envolver sua mão com a minha, fiz questão de segurá-la à moda antiga: apenas dois dedos. Numa tola tentativa de ser aquela menina de novo. Pequena o bastante para poder ficar ali, a contemplar o gigante que adormece completamente alheio à minha saudade.

O Acre da Europa

Eu sabia bem pouco sobre a Dinamarca. Guardadas às devidas proporções culturais, de desenvolvimento e afins, era quase como o “Acre da Europa” para mim. Você até sabe que está lá, mas se te perguntam não lembra nenhuma particularidade pra contar a respeito. A ideia mais próxima que eu tinha era uma tia que mora há uns 20 anos na Suécia. Foi ela quem me deu a dica: “Os dinamarqueses são anos luz mais simpáticos que os suecos”.

Levei a frase na mala. Mas a gente aqui dos trópicos, que cresceu ouvindo que quem vive suado é mais aberto, caliente, comunicativo e etc, nunca compra muito essa imagem de europeus receptivos.

Paguei a língua no primeiro dia. Fui recebida com sorrisos e gestos tão solícitos que chegavam a ser desconcertantes. Eles não têm essa coisa de beijar o rosto, se tocar o tempo todo enquanto falam ou algo do tipo, mas demonstram seu zelo através da hospitalidade, das infinitas guloseimas e do interesse em armazenar todas as informações que puderem sobre o Brasil. Dados que vão desde a comida até a população de cada Estado. Confesso que esse último me rendeu várias saias justas.

Outra sensação que guardo é a de andar pelas ruas de Copenhagen. Ali descobri que existem mais tons de cinza do que eu podia supor e que eles podem sim compor paisagens inspiradoras que nem de longe remetem a algo triste. Por diversas vezes me deparei com cenas que mereciam ser emolduradas: parques cobertos de neve, vilas de casas antigas e suas bicicletas delicadamente posicionadas em frente, o colorido das bancas de frutas na calçada, prédios e igrejas imponentes que representam com magnitude a poesia do velho mundo.

Voltei de lá decidida a absorver um pouco da disciplina e da calma dos dinamarqueses. Com a lição de casa de aprender um pouco mais sobre o meu próprio país para responder todos os possíveis questionamentos, cheia de belas fotos e com a sensação de que a Dinamarca pode soar bem mais familiar do que podia imaginar a minha tupiniquim filosofia.

Um príncipe que veio de avião e foi embora a jato

Aeroporto de Congonhas, vôo da madrugada. Não sei por que me preocupei tanto com a roupa se a cara está pra lá de amassada. Por outro lado, acho que ninguém vai notar. Estão todos dormindo em pé tanto quanto eu.

Tento fazer da janela fria do avião o meu travesseiro quando ele entra. Hum bonito...bem que podia sentar ao meu lado, mas...sentou na fileira seguinte. Tudo bem, a minha cara de validade vencida ficaria ainda pior tão de perto. Melhor voltar pro meu travesseiro gélido.

Só acordei com a voz firme do piloto: “Tripulação, pouso autorizado”. Estava constatando que meu rímel tinha virado blush quando ele me perguntou: “Qual foi a temperatura que o piloto disse que estava em São Paulo?” Ainda processando a informação e tentando acordar, respondi errado. Mas tudo bem, ao menos serviu para começar o papo, que continuou na hora de buscar a bagagem. Nos despedimos quando eu peguei a conexão e ele desembarcou em Sampa.

Pra mim, seriam mais de duas horas até o próximo vôo. Só restava então perambular pelo aeroporto, e na mehor das hípóteses, me distrair com aqueles perfumes e maquiagem que eu nunca vou comprar. Já estava tentando enxergar as coisas do avesso pra ver se o tédio passava quando...ressurge o ser. O meu companheiro de vôo gato e sorridente voltou. Deixou as malas em casa e voltou pra tomar café comigo e me fazer companhia.

Apesar da abordagem inicial esdrúxula, no retorno o papo flui super bem. Conversa agradável, inteligente e espirituosa. E sim...ele é lindo! Me fez prometer que ligo pra ele quando for a São Paulo. Tem um cheiro bom e me olha como se eu fosse a mulher mais linda do mundo (mesmo que eu exiba em detalhes todos os efeitos colaterais de um vôo às 3 da manhã).

Linda história, não?! Lindo conto de fadas moderno, onde o príncipe abandona o cavalo branco e vem de avião. Não é maravilhoso?! Não, não é! Seria. Se eu fosse menos observadora e não tivesse notado a aliança de casado assim que ele entrou no avião (e que ele não usava quando falou comigo pela primeira vez). Fingi não perceber porque o papo era agradável. E passar horas vendo coisas que eu não vou comprar seria tedioso. E foi assim que o príncipe veio de avião. E foi embora a jato.