Foi numa terça-feira depois do trabalho. O episódio, que começou como um "momento beleza", acabou desencadeando uma bem menos bela batalha existencial. Estava eu lá, na salinha branca, com maca branca, musiquinha neohippie pra liberar os chacras quando...a esteticista sentenciou: tinha chegado a minha hora.
Não, ela não faz bico de Mãe Dinah nas horas vagas. E a previsão nem era assim tão mórbida, mas pra muitas de nós, também significa ter menos tempo. Foi assim sem dó, que ela mandou: "Acho que você já pode começar a fazer uso de um anti-idade". Informação especializada e dita com delicadeza, mas que pra mim chegou como: "Acho que você já pode começar a rezar porque, daqui em diante minha filha, é ladeira a baixo!"
Na hora (numa reação relâmpago de autopreservação) lembrei que a garota propaganda de um desses produtos era a Penélope Cruz. Legal. Se a Pe também precisa, por que não eu? "Posso usar aquele da Penélope, então?". "Não. Pro seu caso, é melhor começar com a linha a partir dos 30". Lindo isso. Fiz nem 29 ainda e minha pele já furou a fila rumo à decadência.
Só me restava então, sair em busca do famigerado potinho. Lá estava eu, tentando decidir no mar de opções para rugas, fissuras e rachaduras, quando ela apareceu: a atendente da farmácia. Não devia ter mais de 18 anos (e a mãe dela não devia ter pena da garota, porque ela chamava Francislene). Uma afronta ela estar ali pra palpitar na minha crise de meia idade. "Hey pirralha! Quando eu quiser opinião sobre a maquiagem da Hannah Montana, eu te chamo!", foi o que eu pensei.
Juro que pude ver um sorriso debochado no canto daquela boca coberta de gloss purpurinado. Mas eu, obviamente, não estava em condições de franzir a testa pra ela, então ignorei. Até porque, eu estava muito ocupada tentando entender o que aqueles "oxi", "ol" e "geneses" fariam por mim. Depois de muitas reflexões, apanhei o vidrinho eleito com maneirismos de espião.
O caminho até o caixa foi longo. Carregava o vidrinho como quem carrega uma sentença. "Você está envelhecendo", dizia a vozinha na minha cabeça.
E então, num outro relâmpago defensor, lembrei do Honoré de Balzac: "Uma mulher de trinta anos tem atrativos irresistíveis. A mulher jovem tem muitas ilusões, muita inexperiência. Uma nos instrui, a outra quer tudo aprender e acredita ter dito tudo despindo o vestido. (...) Entre elas duas há a distância incomensurável que vai do previsto ao imprevisto, da força à fraqueza. A mulher de trinta anos satisfaz tudo, e a jovem, sob pena de não sê-lo, nada pode satisfazer".
É isso aí! Mandou bem, Balza! Mas eu ainda precisava de um elemento mais concreto. Ou vários deles. Foi então que tive a ideia perfeita: lá estavam elas. Coloridas, emborrachadas e de sabores infinitos. Peguei praticamente uma cesta básica delas e cobri meu atestado de velhice. "Tá vendo só Fran?! Tô com um pé na cova mas com tudo em cima! A cutis já teve dias melhores, mas não é por falta disso tá vendo?!". Tudo bem que a senhorinha na fila com seu inocente Vicky Vaporub achou vergonhoso, mas...
Mais vale um "atestado de galinha" na mão, que os pés da dita cuja bem no meio da cara.
27/01/2010
14/01/2010
Cuidado com o que estimula, porque você pode conseguir
O título no programa do curso me ganhou de cara. Dizia "Um estímulo à imaginação". Adorei. Uma desculpa perfeita pra eu poder viajar no meu universo paralelo de ideias sem parecer tão maluca. O foco é a poesia, a partir do nascimento do verso livre. Nada de métrica. A regra é não ter regra alguma. "Ok, tudo a ver", eu pensei. Isso até o primeiro dia de aula.
Na sala, vários estilos, formas e tipos de pessoas. Menos o meu. São senhoras beirando os 70, quarentões que aos 20 devem ter sido hippies e gente com 20 pra quem ninguém avisou que o Woodstock foi no século passado. Todos com seu jeito muito particular de ser. De ser esquisito. Então me ocorreu que, se o pré-requisito é ser estranho e eu também estou aqui..."É, garota, você é esquisita", sentenciou a minha consciência. Tá bom, tá bom, eu sou. Mas não tanto quanto ele.
Ele é o cara na minha frente. Faz anotações frenéticas em balõezinhos que se espalham aleatoreamente por uma folha de A3. Cada hora com um de seus 12 lápis de cor cuidadosamente organizados na caixinha. Aposto que ele chega em casa e cola aquilo na parede. A casa toda já deve estar coberta de anotações coloridas, no melhor estilo Oswaldo Montenegro de decoração.
"Deixa de ser maldosa!", repreende a voz que também surge num balãozinho. Dessa vez com um anjinho, tipo desenho animado. "Vai que ele é um puta artista que estava criando um novo estilo, perdeu a hora e saiu com o que estava na mão. Daqui um tempo ele pode estar mais famoso que o Romero Britto. E tudo que vai te restar é pagar caríssimo por uma agenda assinada por ele. Ou no máximo se gabar por ter frequentado a mesma aula que esse gênio. "Ele sentava na minha frente. A gente sempre trocava anotações", é o que você vai dizer.
Depois dessa chamada, me concentro na senhora gentil ao meu lado. Deve ter sido muito bonita quando nova. Cumprido com esmero seu papel de esposa, mãe e avó. Agora parece ter voltado no tempo. Absorve as informações passadas pelo professor com o mesmo entusiamo e brilho nos olhos que eu. (Porque sim, eu estou prestando atenção na aula enquanto devaneio). Ela tem uma sede pelo saber e pelo novo que trouxe lá do começo da vida.
Aliás, pra sede propriamente dita, ela também tem solução. Volta do intervalo, e num ato generoso (que só o tempo pode conferir aos pobres mortais) divide sua garrafa de água gelada comigo. Pronto. Ela me quebrou. Eu ali exercendo todo meu olhar crítico sobre cada um (a princípio na tentativa de encontrar alguém que me soasse familiar, e em seguida só pra criticar mesmo) e lhe ocorreu que eu poderia estar com sede.
Poxa! Estava me divertindo tanto sendo cruel e a senhora estragou a brincadeira! Me sinto como a Fera naquela cena em que a Bela acaricia aquele rosto tenebroso e o desconcerta. Mas não me recrimine vai, assim como a criatura da fábula, eu também tenho salvação. O que mais posso dizer em minha defesa? A culpa é do nome do curso.
Na sala, vários estilos, formas e tipos de pessoas. Menos o meu. São senhoras beirando os 70, quarentões que aos 20 devem ter sido hippies e gente com 20 pra quem ninguém avisou que o Woodstock foi no século passado. Todos com seu jeito muito particular de ser. De ser esquisito. Então me ocorreu que, se o pré-requisito é ser estranho e eu também estou aqui..."É, garota, você é esquisita", sentenciou a minha consciência. Tá bom, tá bom, eu sou. Mas não tanto quanto ele.
Ele é o cara na minha frente. Faz anotações frenéticas em balõezinhos que se espalham aleatoreamente por uma folha de A3. Cada hora com um de seus 12 lápis de cor cuidadosamente organizados na caixinha. Aposto que ele chega em casa e cola aquilo na parede. A casa toda já deve estar coberta de anotações coloridas, no melhor estilo Oswaldo Montenegro de decoração.
"Deixa de ser maldosa!", repreende a voz que também surge num balãozinho. Dessa vez com um anjinho, tipo desenho animado. "Vai que ele é um puta artista que estava criando um novo estilo, perdeu a hora e saiu com o que estava na mão. Daqui um tempo ele pode estar mais famoso que o Romero Britto. E tudo que vai te restar é pagar caríssimo por uma agenda assinada por ele. Ou no máximo se gabar por ter frequentado a mesma aula que esse gênio. "Ele sentava na minha frente. A gente sempre trocava anotações", é o que você vai dizer.
Depois dessa chamada, me concentro na senhora gentil ao meu lado. Deve ter sido muito bonita quando nova. Cumprido com esmero seu papel de esposa, mãe e avó. Agora parece ter voltado no tempo. Absorve as informações passadas pelo professor com o mesmo entusiamo e brilho nos olhos que eu. (Porque sim, eu estou prestando atenção na aula enquanto devaneio). Ela tem uma sede pelo saber e pelo novo que trouxe lá do começo da vida.
Aliás, pra sede propriamente dita, ela também tem solução. Volta do intervalo, e num ato generoso (que só o tempo pode conferir aos pobres mortais) divide sua garrafa de água gelada comigo. Pronto. Ela me quebrou. Eu ali exercendo todo meu olhar crítico sobre cada um (a princípio na tentativa de encontrar alguém que me soasse familiar, e em seguida só pra criticar mesmo) e lhe ocorreu que eu poderia estar com sede.
Poxa! Estava me divertindo tanto sendo cruel e a senhora estragou a brincadeira! Me sinto como a Fera naquela cena em que a Bela acaricia aquele rosto tenebroso e o desconcerta. Mas não me recrimine vai, assim como a criatura da fábula, eu também tenho salvação. O que mais posso dizer em minha defesa? A culpa é do nome do curso.
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